sábado, 19 de setembro de 2009

O beck é muito mais antigo do que vc pensa brother. Contra factos, nao há argumentos...


Falta algo na história da maconha no Brasil?

Falta alguma coisa na história da maconha no Brasil? Será que ainda faltam pesquisas sobre a planta e seu uso? Será que faltam mais discussões e pareceres técnicos de instituições sérias e respeitadas sobre o tema? Será que faltam mais informações históricas sobre a proibição e os abusos cometidos em seu nome? Ou o que falta mesmo é atitude política para além de divulgar melhor esses fatos, buscar corrigir e admitir os erros das pessoas que usaram seus cargos públicos de forma indevida décadas atrás?

Origens controversas de uma planta trans-cultural

Durante muito tempo a historiografia brasileira sobre os usos da planta Cannabis sativa era unânime em afirmar que suas origens eram exclusivamente africanas, e que seu cultivo teria sido introduzido com a chegada dos primeiros escravos. De fato, muitos dos africanos trazidos como escravos para o país mantiveram seus costumes de utilização da planta, considerando-a um vegetal especial, uma planta-professora, dotada de características mágicas e propriedades curativas. Antes do descobrimento do Brasil, diversas etnias e nações do continente africano conheciam a planta e utilizavam-na para uma ampla variedade de fins. Os principais usos eram relacionados com o preparo de medicamentos, ou ligados ao seu consumo fumado em rituais religioso ou reuniões sociais mais informais. No entanto, a tese de que os negros seriam os únicos responsáveis pela introdução do cultivo e consumo de maconha no Brasil não se sustenta a uma observação mais cuidadosa.

Os senhores-de-engenho, proprietários dos escravos e toda estrutura produtiva das fazendas de cana-de-açúcar, principal agro-negócio da economia brasileira do séc. XVI até meados do séc. XVIII, toleravam a utilização do fumo de cannabis e tabaco. O sociólogo Gilberto Freyre chega a afirmar que “não parece simples coincidência que se surpreendam tantas manchas escuras de tabaco ou de maconha entre o verde-claro dos canaviais”, sugerindo que teria havido “evidente tolerância – quando não mais do que tolerância – para a cultura dessas plantas voluptuosas” (Freyre; 1985). As denominações usadas no Brasil para a planta liamba¸ diamba, riamba, cangonha, pango, fumo-de-angola, também confirmariam as origens da maconha brasileira, mas por outro lado, revelariam a heterogeneidade que representam essas raízes culturais no continente africano.

Certamente os colonizadores, agentes do Império Lusitano, já estavam habituados desde o período denominado como Expansão Marítima ao relacionamento com diferentes culturas cultivadoras da planta. Além de conhecerem os usos lúdicos e medicinais de sua resina, a partir do seu contato com populações de países asiáticos e africanos onde mantinham outras colônias, também reconheciam as utilidades de sua fibra. Denominada na Europa mais comumente de linho-cânhamo, ou somente cânhamo, as fibras da planta eram amplamente utilizadas na indústria têxtil, e reconhecidamente um dos produtos centrais à economia da época. (Herer, 1985; Booth, 2003).De fato, os navios que compunham a esquadra que aportaram no continente em 1500 comandada por Pedro Alvarez Cabral, tinham fibras de cânhamo na composição de suas velas, cordas e até mesmo na vestimenta da tripulação. Em 1783, o Império Lusitano instalou no Brasil a Real Feitoria do Linho-cânhamo (RFLC), uma importante iniciativa oficial de cultivo da planta para fins comerciais. Nessa época, a demanda por produtos à base das fibras da Cannabis era alta em todos os países da Europa e muitos produtores não conseguiam atender essas demandas, enquanto muitos procuravam entrar no negócio na tentativa de aproveitar a oportunidade de lucro. Ao mesmo tempo, o Império Lusitano buscava alternativas de produção que pudessem fortalecer a economia, uma vez que as produções para exportação, como o açúcar, estavam cada vez mais enfraquecidas. Para isso a Coroa acentuou sua atenção para o estudo, importação e cultivo de espécies vegetais de importância econômica cultivadas nas colônias que ainda lhes restava na África e Ásia, para tentar tornar o Brasil sua nova fonte de especiarias e outros produtos de origem natural.Apesar dos dados históricos apontarem que as contribuições dos descendentes de africanos para o patrimônio genético da cannabis brasileira sejam bem antigas, tudo indica que as contribuições dos colonizadores também o sejam. A introdução e manutenção das variedades de Cannabis de origem africana no país seguiram a mesma lógica de outros aspectos da vida das populações de escravos e ex-escravos, estando restritas às determinações das elites econômicas, sociais e políticas. O historiador Henrique Carneiro sugere que nada nos autoriza a afirmar que as primeiras plantas cultivadas sejam de sementes africanas, afirmando que talvez tenha sido algum marinheiro português o primeiro a carregar para o país as sementes. Até mesmo o uso de cachimbos d’água, principal técnica utilizada para fumar a erva até a primeira metade do séc. XX, teria sido introduzida pelos portugueses que teriam trazido o hábito das culturas canábicas com as quais tiveram contato na Índia, principalmente em Goa. (Booth, op. cit.: 157).

As primeiras fazendas e benfeitorias foram instaladas no sul do país, em regiões que atualmente ficam entre os municípios de Canguçu e Pelotas, no estado do Rio Grande do Sul. A partir daí, o Estado passou a importar sementes da Índia e Europa, traduzir manuais de cultivo e produção e investir na adaptação climática de variedades da planta. Os Hortos Botânicos Imperiais passaram a trabalhar selecionando as gerações das plantas mais adaptadas e enviando relatórios entusiasmados sobre o desempenho das plantas em solo nacional. Dessa forma, podemos afirmar que “o assunto era importante e, ao nível estratégico, interessava ao príncipe D. João, a dois vice-reis, a dois governadores do Continente. O linho-cânhamo era para a navegação o que hoje é o petróleo. E Portugal procurava ficar independente da Inglaterra, daí a importância que teve o empreendimento de 1783-89”. (Bento, 1992; 13). Laura Carvalho, historiadora que atualmente coordena um levantamento bibliográfico, documental e audiovisual sobre a história da planta no país, completa afirmando que “ainda que os documentos encontrados até o momento precisem ser melhor analisados antes de qualquer conclusão, eles nos fazem pensar que Portugal tinha todo interesse que o empreendimento obtivesse sucesso, e investia alto para que isso ocorresse. Existem muitos indícios de que a Coroa financiou a introdução e adaptação climática da espécie em Hortos em estados como o Pará, Amazônia, Maranhão, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Bahia. No entanto, tudo leva a crer que muitos outros empreendimentos do tipo surgiram a exemplo da experiência da Real Feitoria, até mesmo de iniciativa privada, e esses teriam persistido até a proibição do cultivo da planta, na década de 1930, com maior ou menor êxito econômico”.Foram, portanto, os colonizadores quem tiveram condições materiais tanto para decidir de que maneira era possível às populações marginalizadas consumirem a planta, como para promover empreendimentos de cultivo e comércio, quando lhes foi de interesse. Além disso, foram os empreendimentos oficialmente apoiados pela Coroa, e iniciativas privadas de elites rurais, os grandes responsáveis pela introdução e adaptação em larga escala de diferentes variedades da planta a partir do séc. XVIII. Disso tudo, podemos apenas concluir que as características atuais das variedades de cannabis existentes no Brasil são fruto de um processo bastante complexo e multifacetado, envolvendo diversos atores sociais em períodos históricos diferentes.

 A criminalização da Cannabis no Brasil

O primeiro documento proibindo o uso da maconha foi uma ‘postura’ da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, de 1830, penalizando a venda e o uso do ‘pito do pango’, sem, no entanto obter quaisquer repercussões significativas. É somente no início do século XX, com a intensificação do processo de urbanização, que o hábito ganha adeptos entre os habitantes das zonas urbanas, passando a figurar entre as preocupações das autoridades governamentais.

Apesar de sua ampla utilização como matéria-prima para fibra têxtil, principalmente pelas populações ligadas às elites econômicas e sociais, a imagem da planta ficou marcada permanente por sua associação com o uso por parte das populações pobres, negras e indígenas. Até o final do séc. XIX e das primeiras décadas do séc. XX, a planta era amplamente difundida nas regiões norte e nordeste do país, sendo consumida por ex-escravos, mestiços, grupos indígenas, principalmente nas zonas rurais. Com o avanço do processo de urbanização, as populações imigrantes passam a ser vistas como fonte de problema sociais e sanitários. Os hábitos de consumo e higiene desses grupos passaram a ser objeto de estudo e controle das instituições e autoridades médicas e sanitárias. São criadas delegacias e outras instituições específicas para tratar do assunto, a exemplo da Inspetoria de Entorpecentes, Tóxicos e Mistificações, também responsável pela repressão às práticas religiosas de origem africana, afro-brasileira e afro-indígenas, em geral consideradas ‘feitiçaria’, ‘curandeirismo’ ou ‘magia-negra’. 

- Da Macumba à Maconha

Apesar de receber diversas denominações, atualmente a erva é designada apenas como maconha, nome que tem origem na palavra ma’kaña da etnia africana denominada quibundos. Essa associação ganhou força a partir da década de 1940, quando a imprensa marrom passou a propagandear a associação entre a maconha, a criminalidade e a feitiçaria. Nessa época também se consolidou a expressão ‘maconheiro’ para designar à pessoa que fumava a planta. Eram comuns notícias relatando as violências das “gangues de maconheiros, que ajudavam a reafirmar o conteúdo negativo da palavra, misto dos estigmas de criminoso, doente mental e macumbeiro (outra palavra do quibundo, utilizada para designar pejorativamente as pessoas que exerciam práticas religiosas de origens africanas, indígenas ou sincréticas, que também mesclavam elementos do catolicismo popular ibérico).

A partir de 1910, cientistas como Rodrigues Dória e Francisco Iglesias passam a divulgar e descrever em artigos e congressos científicos internacionais suas teorias relacionando o comportamento “natural” das populações de origem africana com os efeitos farmacológicos da Cannabis. Segundo essa teoria, a maconha causaria em seus consumidores “degeneração mental e moral”, “analgesia/entorpecimento”, “vício/compulsão”, “loucura, psicose e crime”. Esses efeitos seriam os responsáveis pelo comportamento atribuído por esses cientistas como natural à população negra, que seria caracterizado pela “ignorância”, “resistência física”, “intemperança”, “fetichismo” e “criminalidade”. Essas idéias floresceram e se difundiram facilmente no ambiente acadêmico da época, quando muitos dos conceitos ligados às teses eugênicas vigoravam o auge de sua influência nos meios científicos do país. A tese foi aceita com bastante sucesso entre o meio acadêmico, na sociedade em geral, em nível nacional e internacional. As posições do Dr. Dória e seus seguidores sobre o que ele chamou de ‘a vingança dos vencidos’ podem ser resumidas no trecho que encerra sua comunicação no Segundo Congresso Científico Pan-americano, realizado em Washington, 1915:
“A raça preta, selvagem e ignorante, resistente, mas intemperante, se em determinadas circunstâncias prestou grandes serviços aos brancos, seus irmãos mais adiantados em civilização, dando-lhes, pelo seu trabalho corporal, fortuna e comodidades, estragando o robusto organismo no vício de fumar a erva maravilhosa, que, nos estases fantásticos, lhe faria rever talvez as areais ardentes e os desertos sem fim de sua adorada e saudosa pátria, inoculou também o mal nos que o afastaram da terra querida, lhe roubaram a liberdade preciosa, e lhe sugaram a seiva reconstrutiva”. (Dória, 1915;37)

Quer saber mais?Então toma:

http://www.encod.org/info/Falta-alguma-coisa-na-historia-da.html


*BISHOP*

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